14º dia: BR163, uma rodovia longitudinal

Nossa próxima parada seria dali a 154km, segundo o Google. Em 2h09 estaríamos em Novo Progresso, sempre pela BR163 sentido Santarém. Pena que o ‘sabe tudo’ da internet sabe pouco sobre estradas federais. Inocente. A ligação entre nossa partida e nosso destino tinha uma variedade inumerável de buracos, para todos os gostos: pequenos, grandes, gordos, magros, fundos, rasos. Na direita, na esquerda, no meio. Com fundo de terra, cheio d’água, com lama, seco. Falo do asfalto. A parte de terra tem erosões fundas, rasas, perigosas, inofensivas. Barrancos caídos, cascalho solto e, em alguns momentos, materiais de construção de concessionárias que deveriam fazer a pavimentação da estrada, mas largaram mão. Essa é a BR163, uma das principais rotas de escoamento de soja do Brasil.

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A BR-163 é uma rodovia longitudinal, ou seja, ela corta o país do sentido norte-sul. Ao lado da BR174, elas são uma exceção, têm seus quilômetros contados a partir do sul e não do norte, como todas as outras rodovias nacionais. Iniciando em Tenente Portela no Rio Grande do Sul ela termina em Santarém, no Pará, com total de 3467 km de extensão, sendo quase 1000 km não asfaltados.

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Além de buracos, outra coisa nos fazia rir. Até de uma maneira irônica. Placas que nos informavam da má qualidade da estrada e pedia para reduzirmos a velocidade. “Pista escorregadia” ou “Cuidado com buracos”. Era mesmo necessário esse tipo de informação óbvia?

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Viajo muito pela rodovia Fernão Dias, BR381, que liga São Paulo a Belo Horizonte, MG. Me lembro muito bem de uma coisa que me assustava, ainda pequeno: quando estrada ainda não era duplicada haviam muitas cruzes na beira do asfalto. Cruzes de madeira, coloridas e as vezes até uma pequena igrejinha. Nunca imaginei que elas eram homenagens às pessoas mortas ali. Detalhe um pouco assustador, mas enfim, era a realidade de uma estrada federal que morria gente toda a semana. Já eu, adorava ver caminhões tombados.

Quando me deparei com essa pequena capela na beira do chão batido voltei pelo menos uma década nas minhas recordações e saquei na hora. Ali, naquela curva fechada, que terminava de cara para um barranco, morreu alguém. Aliás, ela se parecia mais um pequeno túmulo do que qualquer outra coisa. Notei que a capela era toda feita de piso branco e que dentro dela, fechada com um pequeno cadeado dourado, tinha um santo. Me chamou a atenção como ela estava limpa naquela poeira toda. O repórter não entendeu o que fazia uma ‘mini igreja’ onde quase ninguém parava e eu expliquei o motivo. A boleia do nosso caminhão ficou em silêncio. Motorista e repórter fizeram o sinal da cruz e bola para frente.

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De volta ao asfalto.

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Pouco tempo depois chegamos em Novo Progresso. De progresso, pelo menos da entrada da cidade, não tem nada.

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Ainda de tarde fomos entrevistar alguns gerentes de transportadoras da região, conhecemos os pontos de apoio das empresas e fizemos alguns vídeos.

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Mais a noite saímos para jantar. Na volta pegamos um táxi e perguntei ao motorista sobre a noitada da cidade, que me parecia animada naquela hora. Ele me disse que o melhor lugar era o boteco Bate Papo, ‘logo ali, te faço a R$ 15,00 a corrida’. Agradeci, falei que no dia seguinte acordaria cedo e perguntei se ele iria. Enquanto esperávamos repórter e motorista sacarem dinheiro ele me mostrou no seu whatsapp suas amigas e como a noite naquela cidade era animada. Na lista só tinham mulheres. Loiras, morenas, gordas, magrelas, mostrando a língua na frente do espelho. Vi uma por uma. Perguntei: e o senhor, tem namorada? “Minha mulher me largou faz pouco tempo. Estava casado e engravidei uma outra”.