Meninos da porteira

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Jovens filhos de proprietários e funcionários não trocam a fazenda pela vida na cidade

POR EMILIANO CAPOZOLI , DE JATAÍ (GO) E SORRISO (MT)

Botas nos pés, calça jeans preta e camisa azul de manga longa com detalhes em vermelho. É fim de tarde de um dia comum de trabalho. Samuel Teixeira, de 26 anos, arruma os últimos detalhes do distribuidor de fertilizantes da Fazenda Bom Jardim, em Jataí, sudoeste de Goiás. Ele é filho de Zildo Teixeira, que foi funcionário da fazenda por 22 anos.  A família sempre ali. Zildo fez um pouco de tudo. Hoje é caminhoneiro.

A mais de mil quilômetros dali, em Sorriso, norte do Mato Grosso, Gabriel Lenz, de 22 anos, se prepara para ir para a faculdade a poucos quilômetros de casa. Filho do presidente do sindicato rural da cidade, ele está no último ano de agronomia e ajuda o pai a tocar uma fazenda de 860 hectares, onde plantam soja e milho. De dia trabalha com o pai, à noite estuda.

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Samuel Teixeira nasceu na Fazenda Bom Jardim

O ponto em comum entre esses dois jovens é o amor à terra. Gostam do que fazem e não querem sair dali. Samuel, que nasceu na Fazenda Bom Jardim, onde continua morando, diz que seu pai até o mandou estudar na cidade. “Mas fiquei dois anos e voltei. Não gosto de lá. O pai queria que eu fizesse faculdade. Fiz só até o segundo ano do ensino médio. Gosto daqui”, ele diz.

Gabriel, ao contrário, sempre quis estudar para ser agrônomo, mas também não queria deixar a fazenda. A dúvida era se mudaria de Sorriso ou faria faculdade perto de casa e ajudaria o pai na fazenda. “Morando fora, meus pais iriam gastar R$ 5 mil comigo mais R$ 2,5 mil com um funcionário fazendo o que faço hoje”, conta. Resolveu ficar nas terras da família. Para seu pai, Laércio Pedro Lenz, “metade dos filhos dos produtores voltam para a casa depois de estudarem fora. É uma satisfação ver os meninos voltando para a fazenda. A ‘piazada’ adora”, diz sorrindo, com seu sotaque gaúcho.

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“Quando o meu menino vê a máquina, fica doidinho. Tem que levá-lo para ver de perto, senão não sossega”, conta Samuel Teixeira

Samuel Teixeira, de Jataí, é casado com Eliane Domingos Teixeira, de 23 anos. Ela não nasceu na fazenda, veio de outra roça no mesmo município. Juntos, vivem em uma casa na fazenda e criam o primeiro filho, David, de dois anos. “Quando o menino vê a máquina, fica doidinho. Tem que levá-lo para ver de perto, senão não sossega.” David é a segunda geração da família que nasce ali. Já há famílias com quatro gerações morando na fazenda. Quando perguntado sobre o futuro do filho, respira fundo para responder: “Gostaria que ele se formasse em agronomia. Mas se ele não quiser, como eu não quis, não posso obrigá-lo. Vai ficar aqui na fazenda mesmo”, diz.

Gabriel mora em Sorriso e percorre todas as manhãs 42 quilômetros até a fazenda. Quando tem que levar peças grandes, usa sua caminhonete F350 verde. Caso contrário, vai de Hilux prata. Para ele não existe tempo ruim. “O que tiver que fazer eu faço. Só me estresso dando ordens ou arrumando burocracias. Tranquilo mesmo eu fico quando estou colhendo ou plantando.”

As plantações se perdem de vista e, com toda essa extensão, a fazenda só precisa de três funcionários – um casal que já está ali há mais de dois anos e um outro que acabou de chegar. O problema é a falta de mão de obra especializada, e esse é outro motivo que pesa na decisão dos ‘piás’ de ficarem nas fazendas.

Como Samuel e Gabriel, muitos outros jovens estão escolhendo permanecer no campo. “Não sei como ficaremos no futuro”, conta Rodrigo Pozzobom agricultor e delegado da Aprosoja. Na sua opinião, a tendência dos filhos é a de voltar para a roça. “Essa disposição é muito grande. Hoje em dia, trabalhar nas fazendas dá status”, afirma. Mas ele mesmo não tem muita certeza disso. “Se meu filho não quiser trabalhar com isso, não posso fazer nada.”

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Enquanto os ponteiros não se acertam e a tecnologia avança, despertando o interesse nos jovens, os pais torcem para que seus filhos saiam para estudar, mas não deixem de lado suas origens.

A história do agricultor que achou a solução antes do problema aparecer

Na contra mão dos produtores convencionais, catarinense investiu em silos antes mesmo de preparar a terra

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POR EMILIANO CAPOZOLI*, DE RONDONÓPOLIS (MT)

O pequeno Vilymar ainda não tinha 15 anos quando, pela primeira vez, pulou dentro de um caminhão para tentar ganhar algumas moedas. Sentindo o cheiro forte de diesel, trabalhou até seus 18 como ajudante de caminhoneiro. Logo em seguida tirou sua habilitação.  Quem precisou de um ajudante então foi ele. Era 1970.  No ano seguinte ganhou as estradas do país com seu primeiro Chevrolet que comprou em parceria com o pai, Vicenti Bissoni.

Quinze anos depois deixou sua terra natal. Trocou a fria Botuverá, em Santa Catarina, pela quente Rondonópolis, no Mato Grosso, onde virou administrador da Transportadora Bissoni, empresa em que já trabalhava. Aos 33 anos comprou sua primeira fazenda para criar gado. Aos 35 a segunda. Dez anos depois iniciou-se na agricultura. “Quando comprei a Fazenda Boca da Mata só tinha um pé de limão e um de goiaba”, se lembra Vilymar Bissoni, hoje com 63.

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Se engana quem pensa que seu primeiro investimento na Boca da Mata foi em sementes, adubos ou máquinas agrícolas. Na contra mão dos produtores convencionais ele investiu R$ 6 milhões em três silos que juntos armazenam 330 mil sacas de grãos. “Dá para vê-los a uma distância de até 15 km.” A experiência que ganhou trabalhando com logística o fez pensar diferente. “A primeira coisa que construímos foi uma balança e os silos. Depois plantamos”. Vilymar sempre achou que, para poder produzir grãos, deveria primeiro ter onde guarda-los. “Cheguei com a solução antes do problema aparecer”, sorri.

Hoje o catarinense faz parte de uma das linhas de crédito que o governo federal criou para quem precisa investir em armazenamento. Ele está construindo um armazém com capacidade para guardar 700 mil sacas a um custo de R$ 5 milhões. Sua propriedade está entre as 177 unidades que foram financiadas pelo Banco do Brasil no Mato Grosso. Já foram liberados R$ 500 milhões. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento, Mato Grosso pode armazenar em torno de 30 milhões de toneladas, 12 milhões a menos do que atualmente produz.

Atualmente Vilymar planta 23 mil hectares de soja, 8 mil de milho e ainda tem 5 mil cabeças de gado para abate e 170 caminhões bi-trem. Da safrinha apenas 32% estão vendidos. A prática de estocar a maior parte do produto vem desde 2011. “O milho é muito sazonal. Guardarmos para vende-lo no melhor momento”, conta Marcelo Caús, responsável pela área comercial de grãos da fazenda.
Em 2014 o preço do milho antecipado estava convidativo, R$ 22,90 a saca. Hoje, com a expectativa de boa safrinha,  o preço cai e, segundo Caús, a saca pode chegar a até R$19,00. “Vale a pena esperar.”
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Vilymar enche os olhos ao falar da Boca da Mata. “A primeira coisa que você vê quando entra é uma escola em construção. Ela atenderá 180 alunos”. Mais ao fundo, do lado esquerdo, tem um campinho ‘padrão FIFA’. Tem igrejas, posto de saúde e até um telefone público. “O orelhão fica na esquina da minha casa. Sempre que vejo a mesma pessoa frequentando muito ele, já sei que ela está falando com a família e que em pouco tempo ela vai deixar a fazenda. Uma pena”.

Quem sabe essa também queira ganhar as estradas do país com seu primeiro Chevrolet.

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Raízes holandesas que se aprofundam em terrenos goianos

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Com o trabalho no campo herdado dos avós, Charles não pensa em ‘desgarrar’ da terra

POR EMILIANO CAPOZOLI, DE RIO VERDE (GO)*EMI_8996

Seu primeiro banho em Goiás foi em uma bica d’água fria parecida com aquela que, hoje, 30 anos depois, lavou o prato depois do almoço. Nas mãos da sua mãe Ineta, filha de holandeses, mal sabia que ali ficaria por tanto tempo. “Eu me sinto enraizado nessa terra. Pode todo mundo sair daqui que eu não saio”, brinca Charles Louis Peeters sentado em uma mesa de madeira com um prato fundo cheio de comida feita no fogão à lenha ao seu lado.

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Feliz com a boa expectativa para a safrinha de 2015, seus olhos verdes brilham ainda mais quando toca no assunto. A plantação já quase toda embonecada e mais da metade vendida. As terras da Fazenda Vargem Grande, uma das propriedades que Peeters cultiva soja, milho e algodão, foram quase todas cobertas de sementes híbridas na janela ideal: entre primeiro e vinte de fevereiro.  “Final de abril e maio tivemos uma chuva ótima. Lembro que eu estava aqui na lavoura quando ela caiu”, conta.

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Fugindo de uma Europa devastada pela segunda guerra, seus avós paternos partiram do porto de Roterdã, na Holanda, um dia depois de se casarem.  Para baratear a viagem, Louis e Helena vieram para o Brasil cuidando de vacas no porão do navio. A pouca bagagem veio entre os estábulos. Ali já começava a relação da família com o campo.

Hoje em dia, eles ficariam orgulhosos em ver seu neto. Peeters comanda uma área verde equivalente a quase metade da terra natal de seus avós. Para se ter uma ideia, esse ano, ele plantou 2.500 hectares de milho na safrinha. Maastricht, no sul da Holanda, tem um território de 6.006 hectares.

Primogênito, ele tem outras duas irmãs. Ambas trabalham no escritório em Rio Verde, Goiás. Já ele prefere o ar-condicionado da picape a caminho do campo. Sempre gostou de sujar as botas de terra. “Quando eu estava no primeiro ano da faculdade, já tinha certeza do que queria da minha vida. Meu pai sempre fez questão de me ensinar tudo. Com 11 anos eu já dirigia trator. Com 13, colhedeira e máquinas grandes”.

Formado em engenharia agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP) e cheio de experiências com a terra, Peeters frequenta reuniões importantes na fazenda desde seus 19 anos. Porém se considera com apenas 8 anos trabalho nas terras da família. “Esse é o período que passei momentos bons e ruins. Aí sim posso dizer que fiz parte da gestão”.

Marido de Paula, que conheceu em seus inesquecíveis tempos de faculdade em Piracicaba, interior de São Paulo, ele acabou de ganhar seu primeiro filho, o Augusto. Brincando, diz que a solução para a sua lavoura seria ter o segundo. “Assim eu fico na colhedora, um na plantadora e o terceiro no pulverizador. O futuro é a família fazer tudo no campo”. Pelo visto, o gosto que seus avós trouxeram do lado de lá do Atlântico,passará por muitas outras gerações.EMI_9020